As culturas do Escrito Entrevista de Emília Ferreiro

Neste trecho de entrevista ao Canal Nova Escola para a série Grandes Diálogos, Emília Ferreiro fala sobre seu livro " O INGRESSO NA ESCRITA E NAS CULTURAS DO ESCRITO" e sobre a cisão entre Alfabetização e Letramento

As culturas do Escrito  Entrevista de Emília Ferreiro

SOBRE O TÍTULO DE SEU LIVRO:  O INGRESSO NA ESCRITA E NAS CULTURA DO ESCRITO 

Entrevistadora: O que você quer dizer com este título? E de que forma ele se relaciona com a ideia de separar alfabetização de letramento?

Emília Ferreiro: Por que o título está centrado nas culturas do escrito, no plural. Em primeiro lugar para recordar, por que é importante recordar que a escrita é produto histórico de culturas urbanas. Que foi inventada de forma independente em quatro,lugares diferentes, até cinco, mas em quatro de maneira indiscutível que são a Mesopotâmia, China, Vale do Nilo e a zona Maia neste continente latino americano e o quinto possível no Vale Limbus, na Índia . Algumas dessas escritas foram mais exitosas que outras, as mais mais exitosas foram as que sobreviveram mais tempo e algumas dessas sobrevivem até nossos dias. E tiveram grande impacto em outros povos. E essas duas escritas que sobrevivem até nossos dias são a escrita que se originou na Mesopotâmia e a escrita que se originou na China. São sistemas radicalmente diferentes entre si. A escrita chinesa se manteve durante séculos fiel às suas origens, teve grande influência na  Ásia , se pode dizer que funcionou na Ásia como a latina na Europa como escrita de referência e teve enorme impacto no Japão e na Coréia e é uma escrita que atende muito ao significado e pouco à sonoridade. A outra escrita exitosa, que podemos dizer que sobrevive até nossos dias se origina na Mesopotâmia, mas transformando-se enormemente ao longo dos séculos porque cada povo que a adotou foi transformando-a até terminar sendo as escritas alfabético-consonânticas das culturas árabes ou nosso alfabeto latino. E se transformou radicalmente, teve que se transformar radicalmente porque atende de preferência, á sonoridade e só marginalmente aos significados, mas atende aos significados. Então, algumas histórias da escritas são tão etnocentristas que  não falam na China. Falam na evolução da escrita mesopotâmica, do invento dos gregos e logo dos romanos e depois há uma capítulo sobre a China que parece ser uma anomalia. Agora, uma anomalia utilizada por 1 bilhão e 360 milhões de indivíduos é uma anomalia curiosa ( pelo menos é o que podemos dizer, não é?).  Então, quando se leva a sério a história da escrita como nos permitem fazer hoje em dia, com contribuições importantíssimas de historiadores etnógrafos, epigrafistas, um monte de profissões que têm contribuído para a reflexão e para recentrar nosso conhecimento a respeito da história da escrita. Nos damos conta que a escrita não é simplesmente um objeto, um instrumento, não é como uma colher ou a roda é muito mais que isso. É um objeto cultural permeado pelos valores de cada grupo cultural, pelos valores que cada grupo cultural deposita nela.Sem a cultura não haveria as sagradas escrituras, e as religiões, nos livros, nos apresentam as sagradas escrituras que são livros escritos, porém com tal valor cultural agregado que se convertem em objetos absolutamente sagrados. Então, compreender que a cultura não é apenas um instrumento é essencial para entender o título deste livro. E é difícil com poucos minutos que nos restam explicar um pouco mais desse assunto, mas já tenho tudo isso escrito e se pode ler, que não é apenas um instrumento, não é apenas um código e um código defeituoso, mas é a maneira de representar a língua oral que certas culturas fabricaram e conseguiram transmitir que podemos utilizar como se fosse um instrumento uma vez que dominamos, é outra coisa. Mas caracterizá-lo como instrumento é uma caracterização tão frágil e tão enganosa que nos leva a certas dicotomias que não creio que sejam muito úteis. E então, além das considerações históricas este livro fala sobre as culturas do escrito, no plural , porque o segundo capítulo tem como tema algo que na Europa Contemporânea é de grande urgência em termos de política educativa. No momento em que a Europa recebe uma grande quantidade de imigrantes, em nossos dias já não é, mas no momento em que eles chegaram uma grande quantidade, milhares de crianças chegaram ás escolas italianas, francesas, alemãs, portuguesas, espanholas que falavam outras línguas e não a língua do país e que em muitos casos vinham de culturas escritas diferentes em particular os que vinham de países árabes. Que fazer com essa quantidade de imigrantes que chegavam? A primeira resposta das melhores educadoras europeias e há excelentes foi: " Não estou preparada para isso, jamais na minha formação tive que enfrentar esse tipo de problema",  " Não sabemos como fazer, mas temos que aprender a fazer". E aprenderam até chegar a experiências fantásticas como uma que ocorre no norte da Itália. E no segundo capítulo se fala explicitamente de experiências de sala de aula em que a diversidade de línguas e de escritas foi utilizada didaticamente. Converter a dificuldade em uma vantagem pedagógica me parece uma das coisas maravilhosas que se pode ver nessas escolas. Então, nesse segundo capítulo encontramos crianças de 4 e 5 anos que tem em suas bibliotecas de aula livros escritos em diversas línguas e com diversos sistemas de escrita e comparam esse material e comentam a respeito dele. E a professora lê em voz alta , em outras línguas quanto domina, poque muitas também são imigrantes e convidam aos pais de família a trazerem livro dessas outras línguas e os lê em voz alta. As reflexões que essas crianças são capazes de fazer são absolutamente extraordinárias, a reflexão metalinguística chega a um estado de fascinação total. E quando se enfrenta o problema da tradução se enfrenta o problema de saber se este livro traduzido é o mesmo livro. Se o personagem traduzido é o mesmo personagem e se a história segue sendo a mesma depois de um processo de tradução. As professoras não esperavam que as crianças fossem capazes de refletir sobre a tradução na pré-escola e ocorre que assumindo a diversidade linguística e da escrita, se registrou que, sim, as crianças são capazes de refletir sobre a tradução nessa idade. Então, eu digo que todavia precisamos descobrir quem são os de 4 e 5 anos e as possibilidades de reflexão que têm. Então, isso é a reflexão plural do livro. 



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